segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Mais uma vinda de Raphaela.

Ia descendo aquela rua, onde mal se via o céu, coberta por arvores formando um tunel.
Porém para Raphaela, olhar o céu naquele dia não lhe traria diferença. Eram cinco da tarde mas parecia oito da noite. As nuvens negras choravam água, que não deixava o isqueiro dar seu fogo e, o cigarro cuspir sua fumaça. Olhando praquele tabaco cheio de doenças entre os lábios, os paralelepipedos da calçadas iam passando como fundo... ficou tonta e parou.
-Merda de chuva.
-Algum problema, Raphaela?
Na varanda duma casa velha e amigavel, dessas que supõe morar o casal de idosos mais bondozo, Guilherme sentado numa cadeira de balanço brincava com o Marlboro na boca. Com a cerveja na mão observará cada movimento da menina com os cabelos desgrenhados.
Seu all star preto encostado na mureta descançava, esticava as pernas.
-Não ria não!
Puxou o portão baixo, torto e velho, prendido entre o muro gasto e, subiu a escadinha cheia de musgos, folhas e flores, que cresciam pras paredes.
-Tirou a musica no violão?
-Não, meus dedos pegam fogo toda vez que encosto naquelas cordas. Tira esse gato daí...
-Deixa o gato aí.
-Mas eu quero sentar!
Guilherme adorava tirar um humor com Raphaela, ainda mais quando tomava chuva e perdia um cigarro, reclamava que a água arrepiava-lhe os cabelos e a deixava feito uma ovelha.
-Guilherme, tira o gato daí!
-Tá bom!
Os coturnos brilhavam com as gotas da chuva, que agora escorriam apostando corrida uma com as outras, como quem fosse virar poça mais rápido.
Os olhos negros de Raphaela eram enormes e brilhavam. Guilherme gostava de dizer que eram duas bolas de jaboticaba, por vezes lhe chama assim... Minha jaboticaba. Observou-a sentar, abrir o moletom marrom, com pelos no capus, dobrou as pernas na cadeira.
Era pequena, dobrava-se como uma boneca.
-Não vou treinar mais hoje.
-Claro que vai!
-Não! Culpa tua meus dedos doem, aqueles exercicios dedilhados...
-Para de reclamar, Raphaela!
-Para? Já basta eu estar como uma ovelha, essa chuva... me dá um cigarro?
Guilherme ria por dentro, deixando um sorriso escapar no canto da boca. Adorava quando ela falava dos cabelos. Adorava o jeito atrapalhado de ser, o modo de reclamar.
-Tó e, para de fumar.
-Ó quem fala...
-Vamos pra ponte hoje? A represa vai estar cheia, peguei umas pedras.
-Bem chatas? Você andou colhendo chumbos.
-Qualé, Jaboticaba, desculpinha de novo?
A chuva havia aumentado, por mais que conversassem cerrando um ao outro nos olhos, o cheiro de terra molhada lhes avisavam que logo teriam que entrar. A varanda não lhes protegeriam mais da chuva.
-Não é desculpa, tu já sabe como é.
-É, sei.
A amizade era de infância e, aquele sentimento que Guilherme sabia que tinha que cortar também, se cortava por dentro toda vez que lembrava.
-Tá ficando frio, Gui, tua mãe fez aquele bolo?
-Fez, comi tudo pra não sobrar pra você.
Raphaela pegou uma almofada da cadeira e deu na cabeça de Guilherme, levantaram e, brincando de se empurrar passaram entre a porta grudados, foram pro sofá.
Como costume, ele deitou no colo de Raphaela e, ela lhe massagiava os cachos loiros.
-Por que tu ta com ele hein, Rapha? Tu sabe qualé que é...
-Para Guilherme...
-E tu gosta dele? Vive reclamando das canalhices, nem ir mais na represa vai.
Quando chovia Guilherme e Raphaela iam pra represa da cidade, sentavam na ponte em cima e, brincavam de quicar pedra na água. Quem jogasse mais longe ganhava algo. Foi quando Guilherme apostará um beijo. Ganhou. E ganhou junto desse dia a certeza.
-Mas ele é legal, Gui...
-É... é legal.
Levantou e foi até a geladeira buscar outra cerveja.
-Cade o violão? Vamos tocar?
-Nem, teus dedos pegam fogo...
-Chato.
Voltou pro colo de Raphaela e passou varios minutos ali, tempo de sua cerveja esquentar e, o perfume daquela pele morena lhe dominar as narinas.
Relembrava de tudo com os olhos fechados, sorria por dentro.
-Hei, Gui, parou de chover.
Abriu os olhos lentamente e, via aquelas bolas negras lhe encarar.
-Vamos pra represa? Eu peguei as pedras e...
-Não eu... eu tenho que ir, ele.. ele está me esperando...
Foi entre engasgadas que essa frase saiu da boca de Raphaela. Da boca que uma vez Guilherme beijara por ganhar a aposta e junto ganhará a certeza de amá-la.
Era sempre nas despedidas que seu coração rasgava como papel... Então os dias passavam, ele sentava na varanda e esperava por mais uma vinda de Raphaela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário