sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Poeta - Pablo Neruda

Antes andei pela vida, ao meio
de um amor doloroso, antes retive
uma pequena página de quartzo
cravando-me os olhos na vida.
Comprei bondade, estive no mercado
da cobiça, respirei as águas
mais surdas de inveja, a inumana
hostilidade de máscaras e seres.
Vivi num mundo de lamaçal marinho
no qual a flor de súbito, a açucena
me devorava em tremor de espuma,
e onde pus o pé resalou minha alma
pelas dentaduras do abismo.
Assim nasceu minha poesia, apenas
resgatada de urtigas, empunhada
sobre a solidão como um castigo,
ou apartou no jardim da impudicía
sua mais secreta flor até enterrá-la.
Isolado assim como água sombria
que vive em seus profundos corredores,
corri de mão em mão, ao insulamento
a cada ser, ao ódio cotidiano.
Soube que assim viviam, escondendo
a metade dos seres, como peixes
do mais estranho mar, e nas ladosas
imensidades encontrei a morte.
A morte abrindo portas e caminhos.
A morte deslizando pelos muros.

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